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O céu ameaça, intimidado talvez pelas previsões dos entendidos com os seus smartphones, uns trovões sérios, relâmpagos como castigos divinatórios e chuvas que virão lavar as ruas, excepto se vierem na hora de procissão e, aí, vêm é estragar a festa.
Os caminhos que percorro agora, de carro, contrastam com a minha grata e infantil recordação de ir a pé para a catequese aos sábados, no início da tarde. Os paralelos sucumbiram ao peso das preocupações adultas de quem por lá passa, sendo agora cr...
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Havias de ter ido, foi a frase que ouvi quando, ao sabor ameno do calor que a parede da cozinha transpirava, chegou à minha beira no cálido final da tarde de sábado. Os hinos monótonos a Nossa Senhora de Fátima ecoam pelo pequeno vale, agora despido, e aliam-se à fé trémula de quem se aflige no mundo, sem se deter muito nele. A banda sonora monocórdica, à guisa de veleidades supérfluas, dá o mote para a explicação da minha ascendência genética.
O caminho, para lados da margem esquerda do Dou...
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“Esta é uma confissão de amor: amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é maleável. E, como não foi profundamente trabalhada pelo pensamento, a sua tendência é a de não ter sutilezas e de reagir às vezes com um verdadeiro pontapé contra os que temerariamente ousam transformá-la numa linguagem de sentimento e de alerteza. E de amor. A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das pessoas a primeira capa de superficialismo”.
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Alheado à indiferença de não ser apreciado, o diospireiro adormece na tarde de sábado ao som do vento a sacudir os ramos dos limoeiros, que batem à janela da garagem iluminada pelos copos transparentes onde sorriem chamas que apenas fornecem um ambiente bruxuleante às horas esparramadas no sofá, feito com paletes de madeira fumigada.
A música ecoa nas paredes aquecidas pelo aquecedor a gás, a coluna Bluetooth amorna o ambiente em tonalidades condensadas que lacrimejam os vidros. O silêncio, i...
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A tarde de sábado, com um vento frio, traz consigo a última saída de casa de um octogenário jovial, sorriso fácil, tracto doce. A aldeia, apesar de vila, habita-se ainda dos idosos que resistem, enraizados, ao soluçar da passagem do tempo, testemunhas que são de um progresso que trouxe comodidade ao corpo, mas vazio às pessoas. Somos todos o classificado algoritmado potencial cliente de algo. Quem nada compra, nada vale. E quem nada vale não tem valor. Há quem lhe chame solidão. Há quem lhe sabo...
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- Ela está sozinha.
Foi a primeira frase da matriarca, ainda antes do proverbial bom dia, com que me deparei na sorumbática manhã de sábado, talhada pelos latires ansiosos do canídeo. O gato, senhor de si mesmo, chegou, viu e venceu, marcando o território, neste caso o celofane transparente que plastifica a protecção singela da ilharga do roupeiro. O cão, senhor de outros, fareja, segue-lhe os passos e as secreções, urinando com mais veemência. Ausculto o diálogo monologado da senhora, s...
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Na base da estrada, junto ao desnivelado passeio, vejo a escadaria alva piramidalmente subindo e lamento o meu despreparo físico. Suspiro e inspiro a ideia de que percorrerei aqueles degraus várias vezes até, por fim, cansado, sobrar tempo para rematar o trabalho, ou ajudar a rematá-lo, pois sou tão amador nesta arte, como a deitar uma mão cheia de palavras à terra e ver nascer uma frase.
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(publicada originalmente em 17/11/2022 no Correio do Porto em https://www.correiodoporto.pt/prioritario/shabat)
É dia do Senhor. Faz sentido. O mundo pára e descansa, o Criador espreguiça-se da laboriosa, embora fastidiosa, tarefa de olhar a sua obra, o momento profano em que criou o humano. Galgo as margens do Douro, enveredo nas serpentinas alcatroadas que ladeiam as veredas esverdeadas onde, em tempos de limpeza de valetas, na ausência de cantoneiros, outros de roçadora na mão ou debaixo d...
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[crónica publicada originalmente no Correio do Porto: https://www.correiodoporto.pt/cronicas-do-nada/a-guerra]
Sem muito mais companhia em mim do que a estrada a murmurar os quilómetros em jeito de balada distanciada, percorro o horizonte sem nunca o alcançar, pincelando o céu com algodão doce e nuvens disformes, senhoras do firmamento. A viagem é, por vezes, servida com um lamento.
Com maior ou menor dificuldade, os corpos curvados alinham-se como na formatura, saídos da recruta, moçoilos...
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Crónica originalmente publicada no Correio do Porto (aqui).
O termo meio do monte deve ter sido retirado por alguém que se deslocou aqui, onde estou. A carrinha entra folgadamente e sem custo, mas a saída avizinha-se difícil pois não há local para poder inverter a marcha. Um pouco como a vida, entramos de frente, saímos às arrecuas. A casa parece ter nascido ali, entre pinheiros e eucaliptos jovens, rodeada de caruma, bolotas calcadas pelo Verão e montículos de cinza onde, adivinho, se devem ...
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Final da década de 1970 e ele estava participando de seu primeiro ENCA - Encontro Nacional de Comunidades Alternativas, um encontro realizado anualmente no Brasil que reúne pessoas de todo pais para celebrar e partilhar a visão de um planeta regenerado em amor, paz, prosperidade, natureza e muita alegria. Desde então, Leal Carvalho, que já trazia o dom da música em sua essência, nunca mais foi o mesmo: passou a compor cada vez mais canções inspiradas no despertar da consciência da humanidade com...
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